
Este é mais um post comprido, para quem quer se aprofundar na teoria! Ele trata da formação de leitores segundo a nossa linha de pensamento. Ele também foi adaptado do meu livro:
Práticas de Linguagem oral e escrita na Educação Infantil – PNBE do professor 2013 – Bruna Cardoso – Editora Anzol (Grupo SM); p. 38-43.
A FORMAÇÃO DE LEITORES
Após termos abordado a construção da linguagem escrita, torna-se interessante abrir espaço aqui para falarmos um pouco sobre a formação do leitor, assunto importante dentro desse processo de construção, pois envolve o papel da escola, da sociedade e da família.
Iniciaremos refletindo sobre o que é a leitura.
Tradicionalmente vista como a decifração de um código, hoje em dia sabe-se que o processo de leitura é muito mais que isso. Ler envolve uma série de capacidades, que vão muito além da pura decodificação. Aliás, quem aprende a ler apenas decodificando não atribui significado ao texto e não compreende o que lê. Esse é um dos grandes problemas da alfabetização no Brasil: o analfabetismo funcional.
E que outras capacidades de leitura são essas?
São as capacidades relacionadas à compreensão, à interação e à interpretação.
Para refletirmos sobre o que essas capacidades representam, pensaremos nas atitudes que um leitor proficiente tem ao iniciar uma leitura.
Primeiramente ele escolhe o que vai ler, levando em consideração algum motivo: necessidade, vontade, prazer. Como é um leitor experiente, ele muitas vezes sabe alguma coisa sobre o autor, sabe a que gênero pertence o texto escolhido, assim como suas principais características.
Dessa maneira, por meio dos seus conhecimentos prévios, consegue realizar algumas antecipações sobre o que vai ler, além de produzir inferências ao longo da leitura. Durante a leitura, este leitor também conseguirá relacionar o texto que está lendo com outros que já foram lidos anteriormente, perceber como o texto escrito se relaciona com as imagens (no caso de um jornal, por exemplo), apreciar a leitura e elaborar sua opinião a respeito do assunto tratado no texto.
Quando falamos de leitura, então, devemos considerar tudo isso. Por esse motivo, é possível trabalhar leitura com crianças bem pequenas, inclusive com bebês. Este ‘trabalho’ pode acontecer tanto em casa como na escola. É importante que o sujeito aprenda desde pequeno para que serve a leitura, nas mais diversas instâncias e, ao mesmo tempo, aprofunde e aprimore este conhecimento na escola. A leitura precisa fazer parte da vida.
Resumidamente, temos três tipos de capacidades de leitura[1]:
- as de decodificação, que envolvem: compreender as diferenças entre escritas e outras formas gráficas, conhecer o alfabeto, compreender a natureza alfabética do sistema de escrita, ler (reconhecendo globalmente palavras escritas) e ampliar a sacada do olhar para porções maiores de texto, desenvolvendo maior fluência e rapidez na leitura;
- as de compreensão (estratégias), que envolvem: a ativação de conhecimentos prévios, a antecipação ou predição[2] de conteúdos ou propriedades dos textos, a checagem de hipóteses, a localização ou cópia de informações, a construção de informações a partir de comparação de trechos do texto, a produção de inferências[3] locais e globais;
- as de apreciação e réplica do leitor em relação ao texto (interpretação, interação), que envolvem: a recuperação do contexto de produção de texto, a definição das finalidades da atividade de leitura[4], percepção de relações de interdiscursividade[5], percepção de outras linguagens[6], elaboração de apreciações estéticas, afetivas e até relacionadas a valores éticos[7].
Na Educação Infantil é possível, por exemplo, trabalhar as capacidades de decodificação, quando uma criança, a partir do seu nome ou de palavras significativas, conhece as letras do alfabeto, podendo até começar a estabelecer relações entre grafemas e fonemas. Também é interessante propor atividades em que a criança possa “ler sem saber ler”, ainda convencionalmente, fazendo uso de estratégias de antecipação, localização e inferência.
Além disso, a definição das finalidades da leitura deve ser sempre dita ou demonstrada de alguma maneira aos alunos: “Hoje eu trouxe uma reportagem interessante sobre show gratuito que vai ter no parque para as crianças. Vamos ler?”.
Apreciar e emitir opinião, mesmo que de maneira mais simples, sobre um texto lido pelo professor, ou em casa por um adulto, também são tarefas perfeitamente possíveis para crianças de 4 a 6 anos (ou menos!).
Pensando agora na importância do adulto no processo de formação das crianças como leitoras, para que isso aconteça (a criança se formar como leitora), é preciso que haja a articulação de dois fatores: o contato com materiais escritos e o compartilhamento com outros leitores de práticas de leitura. Quando a criança ainda não sabe ler convencionalmente, isso acontece, muitas vezes, concomitantemente, pois é o leitor adulto que traz o material escrito e, assim, o inclui nas práticas de leitura.
“A tarefa de mostrar às crianças as características e o sentido da escrita fica, portanto, sob a responsabilidade dos leitores mais experientes que convivem com elas. Cabe a eles compartilhar momentos de leitura com as crianças, fazendo-as, assim, usuárias da escrita”[8].
É preciso sinalizar que a preocupação com os textos que serão trazidos deve ser enorme. A criança precisa encontrar significado nos textos que irá ler e isso só acontecerá quando a função da leitura for percebida.
Ou seja, na maior parte dos casos, para se tornar um bom leitor, o indivíduo precisa se formar nesse sentido. Desse processo de formação, fazem parte todas as vivências que ele tem desde pequeno acerca da linguagem escrita. Além disso, nessa trajetória, o contato com outros bons leitores mais experientes é muito importante, pois são eles os responsáveis pela formação leitora, visto que proporcionam às crianças o contato com materiais escritos e a inserção nas práticas de leitura.
Dica: Você pode participar mais ativamente da formação do seu filho como leitor! Clique aqui e saiba como!
O texto acima foi adaptado do meu livro:
Práticas de Linguagem oral e escrita na Educação Infantil – PNBE do professor 2013 – Bruna Cardoso – Editora Anzol (Grupo SM).
Este texto é propriedade da autora (Bruna Cardoso) e da Editora SM, qualquer tipo de reprodução é proibida.
[1] Texto organizado a partir de ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. São Paulo: SEE/CENP, 2004. Apresentado em congresso, em maio de 2004.
[2] Uma espécie de “adivinhação” de fatos, características ou assuntos, de que tratará o escrito, por meio da mobilização dos conhecimentos prévios que o leitor possui sobre o tipo de texto, o portador, o léxico, o assunto de que trata etc.
[3] Tentativa de captar o que não está explícito no texto, por meio dos conhecimentos prévios que possui o leitor.
[4] O motivo da leitura.
[5] Colocar o discurso em relação com outros discursos já conhecidos.
[6] Imagens, gráficos, sons etc.
[7] Criticar, dizendo os motivos (se gosta, não gosta e por quê).
[8] STRANO, Paula. Como se formam os leitores. São Paulo: Instituto Superior de Educação Vera Cruz, 2010. p. 10. Pós- graduação: “Alfabetização: relações entre ensino e aprendizagem”.
Já que há tanto conhecimento sobre alfabetização, poderia, se possível, falar algo sobre o estabelecimento de relações entre grafemas e fonemas, como ocorre, como podemos ajudar nesse processo e etc.?
Afinal, ler não é só decodificar, mas também é decodificar, e no Brasil temos pessoas que nem se quer conseguem pronunciar o português (não falo de sotaque, falo de fonoaudiologia), imagine se expressar ou explanar, né?
Ps.: Já fizestes diversas indicações de leituras maravilhosas!
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Oi, Juliana. Para falar sobre a aquisição do sistema de escrita usamos como base a Psicogênese da língua escrita (Emília Ferreiro). Neste post 👉🏼 https://blog.leromundo.com.br/2017/05/15/nossa-concepcao-teorica-de-alfabetizacao/ 👈🏼 falamos sobre isso. Partimos do princípio que a criança é capaz de pensar sobre a escrita, assim o papel do professor é considerar as hipóteses das crianças e ajudá-las a desestruturar e reestruturar as conceitualizações que são feitas ao longo do processo de construção da base alfabética. O pano de fundo de tudo isso é a abordagem construtivista. Aqui não detalhamos o processo pois, para isso, seria preciso um curso mais aprofundado para professores, já que o assunto é longo e complexo. Começaremos a fazer isso em cursos presenciais. Sabemos, com base na nossa prática, o quanto é trabalhoso conduzir o processo de alfabetização desta maneira, mas acreditamos muito na importância do protagonismo da criança e na sua potência. E, neste processo, a decodificação vem sempre junto com outras capacidades de leitura (https://blog.leromundo.com.br/2017/05/15/a-formacao-de-leitores/). Ou seja, quando a criança começa a tentar codificar o sistema de escrita, levantando hipóteses, ela ainda não é capaz de decodificá-lo mas consegue “ler antes de saber ler” usando outras estratégias extremamente importantes. A ideia é que ela consiga juntar tudo isso quando começar a ler com independência, e é nessa hora que a gente vê a tal da fluência! Se a gente só foca na decodificação a criança muitas vezes lê e não compreende, pois não sabe o contexto da leitura, etc., além de achar o ato de ler árduo, pois fica muito mecânico. Enfim, essa é nossa opinião! Sabemos que existem outras linhas de pensamento, que respeitamos, mas acreditamos demais na importância de formar leitores críticos, que saibam selecionar informações em um mundo cheio de estímulos e que entendem a função social da leitura e da escrita. Para isso é preciso trazer para o processo de aprendizagem da leitura e da escrita muitas outras capacidades de leitura, que vão além da decodificação. Desculpe a demora da resposta, não vimos a notificação do comentário 😔 bjs Bruna e Paula
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